Moçambique (Nível 2)
O Governo de Moçambique não cumpre totalmente as normas mínimas para a eliminação do tráfico, mas está a envidar esforços significativos para o fazer. Em geral, o governo demonstrou esforços maiores em comparação com o período do relatório anterior, tendo em conta o impacto da pandemia da COVID-19 na sua capacidade de combate ao tráfico; por esse motivo, Moçambique continuou no Nível 2. Entre os esforços destacaram-se o processo judicial de todos os casos identificados de tráfico; a formação de autoridades da linha de frente sobre o tráfico; a realização de campanhas nacionais de sensibilização; e a actualização dos procedimentos operacionais padrão para grupos de referência provinciais e distritais para melhorar a sua resposta de combate ao tráfico. No entanto, o governo não cumpriu as normas mínimas em várias áreas importantes. O governo investigou e processou menos casos de tráfico, condenou menos traficantes e não identificou vítimas do tráfico pró-activamente, além das representadas em casos penais. Pelo quarto ano consecutivo, o governo não finalizou uma minuta de mecanismo nacional de encaminhamento, o que limitou o acesso das vítimas a serviços de protecção e deixou possíveis vítimas sem serem identificadas. Para além disso, pelo sexto ano consecutivo, não finalizou a implementação de regulamentações; como resultado, as disposições de protecção da lei anti-tráfico de 2008 ainda não foram operacionalizadas. O governo também não adoptou um plano de acção nacional, pelo oitavo ano consecutivo, prejudicando os esforços de combate ao tráfico em geral. As autoridades moçambicanas continuaram a não ter políticas ou leis eficazes que regulem os recrutadores de mão de obra estrangeira e os responsabilizem civil e penalmente por recrutamento fraudulento.
RECOMENDAÇÕES PRIORIZADAS:
- Emendar a lei anti-tráfico para alinhar a sua definição de tráfico com a definição do direito internacional. • Finalizar, implementar e formar autoridades para usar procedimentos operacionais padrão para a identificação de vítimas e o mecanismo nacional de encaminhamento para encaminhar todas as vítimas para receber os devidos cuidados. • Identificar vítimas do tráfico sistemática e pró-activamente, triando as populações vulneráveis em busca de indicadores de tráfico – incluindo vítimas de abuso infantil, pessoas em campos de realojamento e cidadãos estrangeiros, incluindo migrantes de países vizinhos e trabalhadores da Coreia do Norte e de Cuba – encaminhando-as para os serviços apropriados. • Investigar e processar vigorosamente crimes de tráfico e sentenciar traficantes condenados, incluindo autoridades cúmplices, a penas adequadas. • Aumentar a prestação de serviços abrangentes, como tratamento médico, aconselhamento psico-social e abrigo, a todas as vítimas, incluindo homens e cidadãos estrangeiros, e ampliar a disponibilidade de serviços de protecção a todas as vítimas, incluindo abrigo de longo prazo e assistência de reinserção. • Finalizar, adoptar e designar recursos para implementar o plano de acção nacional. • Desenvolver a capacidade da inspecção-geral do trabalho e das unidades de assistência às mulheres e crianças vítimas para identificar possíveis vítimas do tráfico, investigar casos de tráfico e encaminhar as vítimas para receber cuidados. • Responsabilizar os recrutadores de mão de obra por recrutamento fraudulento. • Aumentar a coordenação entre as partes interessadas a nível distrital, provincial e nacional para estimular a divulgação de informações sobre os esforços anti-tráfico do governo.
PROCESSO PENAL
O governo manteve os esforços de combate ao tráfico entre os organismos de aplicação da lei. A Lei de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas de 2008 criminalizou o tráfico sexual e o tráfico de mão de obra e prescreveu penas de 16 a 20 anos de prisão. Essas penas eram suficientemente severas e, no que diz respeito ao tráfico sexual, proporcionais às penas prescritas para outros crimes graves, como a violação. Em desarmonia com o direito internacional, a lei não estabeleceu o uso de força, fraude ou coerção como elemento essencial do crime. O governo continuou a trabalhar com uma organização internacional para analisar minutas de emendas que alinham a lei anti-tráfico de 2008 com as normas internacionais; contudo, as minutas de alterações aguardavam aprovação de várias partes interessadas pelo segundo período de relatório consecutivo.
O governo investigou seis possíveis casos de tráfico em 2020, identificando dois casos como sendo de tráfico – um rapaz moçambicano explorado no trabalho forçado em Moçambique e uma mulher moçambicana explorada no tráfico sexual na Tanzânia – envolvendo dois traficantes suspeitos, em comparação com 13 investigações e oito casos confirmados em 2019. O governo iniciou processos judiciais em ambos os casos em 2020, em comparação com oito processos de casos confirmados no período do relatório anterior. O governo condenou um traficante acusado de tráfico de mão de obra nos termos da lei anti-tráfico de 2008, em comparação com duas condenações relatadas em 2019. Os tribunais sentenciaram o traficante a seis anos de prisão. O processo judicial então iniciado por tráfico
sexual continuava em andamento no fim do período do relatório. Com o apoio de uma organização internacional, o governo contribuiu informações referentes aos dois casos confirmados de tráfico durante o período do relatório a um mecanismo nacional centralizado de recolha e divulgação de dados anti-tráfico. O governo não relatou quaisquer investigações, processos judiciais ou condenações de funcionários públicos cúmplices de violações de tráfico humano; contudo, corrupção e cumplicidade de autoridades em crimes de tráfico continuaram a ser causas significativas de preocupação, inibindo a acção dos organismos de segurança pública durante o ano. Como em anos anteriores, supostos traficantes subornavam agentes de polícia e imigração de forma generalizada para facilitar crimes de tráfico, tanto a nível nacional como através de fronteiras internacionais, sobretudo com a África do Sul. As autoridades e partes interessadas da sociedade civil relataram que as restrições impostas pelo governo no contexto da pandemia, tais como a limitação de deslocamentos no país, toques de recolher e encerramento de fronteiras, abrandaram ou inibiram a actividade dos organismos de segurança pública, sobretudo investigações, durante o período do relatório.
O governo realizou várias formações em todo o país para profissionais da linha de frente durante o período do relatório. Em parceria com organizações internacionais, o governo formou grupos de referência provinciais e distritais sobre o quadro legal anti-tráfico, identificação de vítimas e aptidões de investigação, envolvendo pelo menos 250 autoridades nas províncias de Cabo Delgado, Manica, Nampula, Sofala e Zambézia. O governo, em parceria com uma ONG internacional, também ofereceu formação sobre as diferenças entre tráfico e contrabando e sobre a identificação de vítimas e assistência a estas para agentes de fronteira na província de Maputo e na fronteira com a África do Sul. O governo trabalhou em parceria com o governo da Tanzânia no caso de tráfico sexual mencionado acima, solicitando provas adicionais das autoridades tanzanianas; a coordenação continuava no fim do período do relatório.
PROTECÇÃO
O governo manteve esforços mínimos de protecção a vítimas. O governo identificou duas vítimas em 2020, uma queda significativa em comparação com 22 vítimas identificadas no período do relatório anterior. O governo, em parceria com uma organização internacional, apoiou a repatriação da vítima explorada na Tanzânia; a polícia também acompanhou a vítima quando voltou à Tanzânia para prestar depoimento. O governo relatou ter mandado ambas as vítimas identificadas
para as suas famílias; contudo, o governo não relatou nenhum outro serviço prestado às vítimas. O governo continuou a carecer de procedimentos adequados para identificar situações de tráfico entre populações vulneráveis, incluindo migrantes estrangeiros e vítimas de abuso infantil, e não identificou nenhuma vítima além das já envolvidas em acções policiais. Para além disso, as autoridades da linha de frente não tinham um entendimento geral sobre o tráfico, o que prejudicou os esforços de identificação de vítimas. As autoridades e organizações da sociedade civil relataram que o número efectivo de vítimas do tráfico em Moçambique deve ter sido significativamente superior ao número representado por processos penais. Embora uma minuta de mecanismo nacional de encaminhamento (MNE) continuasse a ser distribuído informalmente às autoridades para identificar e encaminhar vítimas, o governo não finalizou nem implementou o MNE integralmente pelo quarto ano consecutivo; os observadores relataram que a falta de um MNE formal prejudicou os esforços das autoridades a nível comunitário para identificar vítimas, deixando muitos possíveis casos de tráfico sem identificação durante o período do relatório. O governo não relatou avanços na finalização da implementação de regulamentações referentes a vítimas do tráfico e protecção de testemunhas, prejudicando a prestação de serviços de protecção do governo para vítimas do tráfico; minutas de regulamentações continuaram incompletas pelo sexto período de relatório consecutivo.
Não obstante a suposta disponibilidade de serviços para vítimas do tráfico, o governo não relatou a utilização desses serviços nos últimos dois anos. Em termos gerais, o governo contou com organizações da sociedade civil para identificar vítimas do tráfico e encaminhá-las para receber cuidados, mas não relatou se deu apoio financeiro ou em espécie a essas organizações. O Ministério do Género, Criança e Acção Social administrou três centros que podiam oferecer abrigo por curto prazo, atendimento médico e psicológico, reunificação familiar e assistência jurídica às vítimas do tráfico; no entanto, o governo não disponibilizou detalhes sobre os serviços prestados durante o período do relatório. O governo não tinha um abrigo de longo prazo para vítimas do tráfico ou uma alternativa para quem precisasse de abrigo de longo prazo. Embora o governo tenha especificado que ocasionalmente podia oferecer abrigo para vítimas adultas do sexo masculino, não relatou se identificou alguma dessas vítimas durante o ano. As esquadras de polícia de todo o país contavam com especialistas formados pelo Gabinete de Atendimento a Mulheres e Crianças Vítimas de Violência Doméstica, equipados e disponíveis para responder a casos suspeitos de tráfico. O governo continuou a
administrar instalações em mais de 215 esquadras da polícia e 22 centros de “Vítimas de Violência” em todo o país, oferecendo abrigo temporário, alimentação, aconselhamento limitado e monitorização após a reinserção de vítimas de crime. O governo, no entanto, não forneceu números específicos de vítimas do tráfico que beneficiaram desses serviços em 2020. A lei anti-tráfico exigia protecção policial para vítimas que participassem como testemunhas em processos penais contra traficantes, mas o governo não relatou a prestação desses serviços a nenhuma vítima. A lei moçambicana previa o estatuto de residência temporária ou alternativas legais à remoção de vítimas estrangeiras para países onde poderiam enfrentar dificuldades ou retaliações; no entanto, o governo não identificou nenhuma vítima estrangeira pelo segundo período de relatório consecutivo e, portanto, não implementou essas disposições. As autoridades podem ter penalizado vítimas do tráfico por crimes que os traficantes as obrigaram a cometer; os observadores relataram que, como as autoridades não usavam procedimentos padrão de identificação de vítimas, algumas possíveis vítimas, sobretudo migrantes em situação irregular, podem ter sido deportadas ou ter continuado sem ser identificadas no sistema de segurança pública.
PREVENÇÃO
O governo manteve esforços gerais para prevenir o tráfico, aumentando ligeiramente os esforços para sensibilizar as populações vulneráveis sobre o tráfico. O Grupo de Referência Nacional, sob a liderança do gabinete do Procurador-Geral, reuniu-se regularmente durante o período do relatório para coordenar os esforços nacionais de combate ao tráfico, e os membros a nível nacional, provincial e distrital reuniram-se regularmente como grupos de trabalho para tratar de casos específicos e preocupações relativas ao tráfico. Em parceria com organizações internacionais, o governo actualizou os procedimentos operacionais padrão (POP) para grupos de referência provinciais e distritais para melhor capacitar as autoridades para combater o tráfico no contexto de desastres naturais e aumento do extremismo violento; alegadamente, o governo começou a implementar os POP em campos de realojamento de PDI nas províncias do norte e centro para fins de sensibilização nos campos. O governo continua sem um plano de acção nacional (PAN) desde 2012; não obstante a finalização de uma minuta do PAN em 2017 e o envolvimento contínuo com a sociedade civil durante o período do relatório para analisar a minuta do PAN, o governo não a adoptou pelo quarto ano consecutivo. Para além disso, o governo não tinha um orçamento específico
para combater o tráfico, o que prejudicou os esforços gerais anti-tráfico. Não obstante as restrições de viagem e encontros presenciais no contexto da pandemia, o governo continuou os seus esforços de sensibilização durante o período do relatório. O governo realizou campanhas nacionais de sensibilização em todas as províncias, mas, em decorrência das restrições relacionadas com a pandemia, foram feitos apenas 2.700 discursos e apresentações, em comparação com 5.000 em 2019. Em parceria com uma ONG internacional, o governo criou e distribuiu via SMS cartazes electrónicos para fins de sensibilização sobre os riscos de tráfico infantil, exploração sexual de raparigas e riscos de tráfico de pessoas associados à imigração ilegal. O gabinete do Procurador-Geral liderou programas escolares focados na prevenção do recrutamento on-line.
O governo não relatou se administrou ou forneceu apoio a uma linha verde disponível exclusivamente para vítimas adultas do tráfico; no entanto, o governo continuou a disponibilizar apoio logístico e técnico a uma linha verde administrada por uma ONG, que estava disponível para denunciar crimes contra crianças, incluindo possíveis casos de tráfico. Com o apoio em espécie do governo, a ONG criou uma nova linha verde em Manica em Outubro de 2020 para ampliar a disponibilidade para denúncias de crimes contra crianças, incluindo possíveis casos de tráfico fora de Maputo, e poder responder nos idiomas locais a quem telefonava. Em 2020, as linhas verdes identificaram 17 possíveis casos de tráfico, encaminhando as possíveis vítimas a prestadores de serviços e comunicando os casos ao governo; contudo, o governo não relatou se deu resposta a esses casos. O governo não relatou a oferta de formação a inspectores laborais sobre triagem de trabalhadores para identificar indicadores de tráfico durante o período do relatório nem no período desde 2018. As autoridades moçambicanas continuaram a não dispôr de políticas ou leis eficazes que regulamentem recrutadores estrangeiros e os responsabilizem civil e penalmente por recrutamento fraudulento. O governo não ofereceu formação anti-tráfico aos diplomatas. O governo não fez esforços para reduzir a procura de actos sexuais comerciais.
PERFIL DO TRÁFICO
Tal como foi relatado nos últimos cinco anos, os traficantes de pessoas exploram vítimas nacionais e estrangeiras em Moçambique e vítimas moçambicanas no exterior. O trabalho forçado infantil ocorre na agricultura, mineração e vendas em mercados nas zonas rurais, muitas vezes com a cumplicidade de membros da família. Os traficantes atraem migrantes voluntários, especialmente mulheres e
raparigas de zonas rurais de países vizinhos para cidades em Moçambique ou na África do Sul com promessas de emprego ou educação e depois exploram-nas em servidão doméstica e tráfico sexual. Os traficantes exploram raparigas moçambicanas em bares, clubes à beira da estrada, locais de paragem durante a noite e restaurantes ao longo do corredor de transporte sul que liga Maputo a Essuatíni e à África do Sul. Cada vez mais, os traficantes aliciam mulheres e raparigas on-line, com promessas de emprego, usando perfis empresariais falsos nas redes sociais. Em seguida, exploram-nas no tráfico sexual ou no trabalho forçado. O tráfico sexual infantil é uma preocupação crescente nas cidades de Maputo, Beira, Chimoio, Tete e Nacala, que têm populações altamente móveis e grande número de camionistas. Em Outubro de 2020, uma organização internacional divulgou que havia mais de 93.000 PDI em Moçambique como resultado de dois ciclones tropicais em 2019; as pessoas em campos de realojados ou afectadas de outras formas pelos ciclones estão cada vez mais vulneráveis ao tráfico. Para além disso, uma organização internacional relatou em Abril de 2021 que havia mais de 700.000 PDI no norte e centro de Moçambique como resultado do extremismo violento e da instabilidade na região; mulheres e crianças estão cada vez mais vulneráveis ao aliciamento por grupos armados não estatais para fins de trabalho forçado e tráfico sexual.
Os traficantes exploram homens e rapazes moçambicanos em trabalho forçado em quintas e minas sul-africanas, onde as vítimas costumam trabalhar meses sem remuneração, em condições coercivas, antes de serem entregues à polícia para deportação como migrantes ilegais. Os rapazes moçambicanos migram para o Essuatíni para lavar carros, pastorear o gado e vender mercadorias; alguns tornam-se posteriormente vítimas de trabalho forçado. Os traficantes exploram moçambicanos adultos e raparigas em trabalho forçado e tráfico sexual em outros países, como Angola, Itália e Portugal. As redes informais tipicamente incluem traficantes moçambicanos ou sul-africanos. Os relatos alegavam que os traficantes subornam as autoridades para transportar as vítimas dentro do país e através das fronteiras nacionais com a África do Sul e o Essuatíni. Cidadãos norte-coreanos e profissionais médicos cubanos que trabalham em Moçambique podem ter sido forçados a trabalhar pelos governos da Coreia do Norte e de Cuba.
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